CONTRADIÇÃO.

                                                    



Tudo aquilo que acontece com a gente são as coisas mais importantes do mundo, afinal foi com a gente e, nós somos a nossa melhor companhia.
No outro nós respeitamos a dor, a ausência, os desencontros e a isto chamamos solidariedade, mas em nós,sentimos,vivenciamos,
curtimos cada minuto das coisas que dilaceram, apoquentam, colocam à prova nossa coragem, insultam a ordem natural da felicidade que lutamos para preservar, por esta razão quando é com a gente o buraco é muito mais embaixo!
Nada mais humano, natural do que este cheiro absoluto e definitivamente atávico de sobrevivência e que, nos instiga à luta, mexe e remexe tudo por dentro, e na escuridão daqueles momentâneos sofrimentos nos leva a acendermos os nossos derradeiros e poderosos refletores.
Eles irão consumir a energia estocada em nós e com a qual responderemos à altura as agressões que a vida nos faz.
Ilumina-se então o novo palco da vida no qual colocaremos todos os nossos personagens e seus textos elaborados durante todos os anos, até chegarmos ali.
E musica também, tem! E tem balé mágico com sapatilhas douradas, contrariando as brancas de sempre, afinal agora é tudo ou nada, sem mesmices!
De repente a platéia se levanta. Aplausos demorados. Alguém nas cadeiras do meio grita: Bravo!
Pronto ganhamos mais uma, é a volta por cima, encontramos as forças necessárias, nem demos a menor bola para o azar, viramos a cara e definitivamente para o destino, fizemos a curva, encontramos o atalho, desempenho grandioso, digno de um grande final do majestoso Cirque du Soleil e, ainda não foi a vez da encenação final da morte do cisne.
Essa retomada das forças vitais, do controle que podemos exercer sobre as agressões inevitáveis da vida ao passar dos anos das nossas existências, por mais contraditório que possa parecer, nos vem dos exemplos que identificamos e refletimos sobre aquilo que os outros estão passando,sofrendo, e convivendo.
É olhando para frente que buscamos novos amanhãs nos horizontes da vida, porém nunca duvide que é olhando para o lado que vemos os mais definitivos exemplos.
Olhar para o lado está muito mais próximo, a distância é muito menor, ficamos cara a cara com a verdade, descobrimos que é da fraqueza que o outro padece que, nos fortalece a combatividade.
É no outro e suas mazelas que, as nossas encontram o diálogo certo para temos conosco mesmos, e assim, verificarmos que, se em nós as dores são sempre as mais importantes e não nos outros, mas é na deles que renascemos em lúcidas transcendências para continuarmos de pé.
É exatamente, como se todos os dias vivêssemos reclamando que não temos muitos sapatos e ao olhar para o lado víssemos que,o outro não tinha as pernas. 

QUANDO ME FIZ HOMEM, CHOVIA.





Lembro que, como um todo, meu corpo já não era mais o de uma criança.Agora já não preferia mais a exclusiva amizade de meninos.Queria as meninas,conversar e tocar nelas, sentindo a diferença da maciez da sua pele em relação a minha.De forma demorada percorria o contorno dos seus olhos, o volume daqueles cabelos,e fazia um ponto de parada obrigatória nas suas bocas.Isto me excitava.Impreterivelmente.Os lábios delas pareciam estar sempre,convidando os meus.Os via entreabertos e molhados.Era a boca  dos meus desejos.Ali começava o corpo de uma mulher.E tinha a certeza de que os desejava por impulsos incontroláveis de força interna que explodia,avermelhava meu rosto,queimava a ponta das minhas orelhas,acelerava minhas batidas cardíacas.Era tudo muito novo.E o novo amedronta.Minha vida agora seria diferente daquela que brincava sob o reinado infantil.Acabara minha inocência. Olhava para os ventres delas e pensava como nós tínhamos o poder.De nós dois, mas um viveria.Uma irresponsável euforia que me arremessaria sobre corpos ávidos daquilo que eu desejava, também.Era um adulto.Quando eu me fiz homem, chovia.Eram as minhas próprias lágrimas que molhavam o chão da minha vida.E escorregando aqui e ali,acabei conhecendo o amor de uma mulher.Era mais do que uma boca, um ventre.O amor de uma mulher seria a minha própria vida.Então morri muitas vezes.E sempre que renascia, nem me lembrava do tombo anterior.Assim foi e continua sendo até agora.Mas,neste momento,parece que não é só uma chuva que se aproxima,mas talvez as intensas águas de um derradeiro temporal.