Sempre me pego colocando em você os meus medos, minhas
fraquezas, minhas inconveniências, covardias a falta de tudo que não vejo em
mim e que não falta em você.
Quando critico você por estar sendo mais realista que o bom
senso indicaria com relação a cuidar da sua saúde, caio em mim e
esborrachando-me no chão da minha maricagem verifico o quanto isto me leva a
ser relapso, comigo mesmo quando seria, exatamente, no seu exemplo que deveria
me inspirar exorcizando minha incompetência para ver as probabilidades boas ou
más das coisas, diagnosticadas.
Uma vez ouvi dizer que o homem era frouxo.
Acho que acertaram!
Mas creia que, tantos cuidados disto ou daquilo com o corpo,
me fariam parar de funcionar, fariam me sentir um ectoplasma, metamorfose
etérea de uma antiga entidade de carne e osso agora vagando entre os espaços
que separam a vida na terra, daquela outra prometida lá em cima.
Vivo então a síndrome do faz-de-conta que tudo está
perfeito.
Sofro só em pensar o contrário disso e por esta razão finjo
que sou imortal.
Não deixo descobrirem em mim, o que não me interessa.
Acho que repetiram muito nos meus ouvidos e pelos mais diferenciados
motivos aquela frase de quem procura acha.
Não quero achar.
A vida humana é uma grande peça teatral na qual alguns
personagens estão determinados pela
lógica da trama e do roteiro estabelecido, a deixarem primeiro a cena.
Por esta razão fico sempre me escondendo na coxia do palco, nos
seus bastidores, relutando em entrar para representar o inevitável, a fala, o
texto, pedaços que irão consumir a vida da minha performance e então,tento me
resguardar do inevitável,não entro, mesmo sabendo que isto pode prejudicar toda
a trupe.
Sim, pois afinal, viver é repartir, assumir responsabilidades,
dividir as mesmas ações que protegerão ou evitarão pegar os outros de surpresa.
Surpresas indesejáveis, pois a vida é uma armadilha.
Sempre nos oferece o sol que brilha sobre as nossas cabeças,
a lua tenra que ilumina as noites, a sonoridade hipnótica de um pingo d’água
batendo numa lata velha em dias de frio e chuva, o voar daquele pássaro que nos
encanta, a lembrança de lugares que nos arrebatam e a inocente boca banguela de
um bebezinho sorrindo.
É isto tudo que me faz um covarde para descobrir o que seja
nestas minhas vísceras vividas e que, possam representar para não sei quando,
uma ameaça que irá me impedir de continuar vivo.
Mas pensando bem, com coragem de sofrer um pouquinho agora,
quem sabe se prolongue mais, tudo aquilo que eu amo tanto na vida.
Inclusive a presença de você.